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10 mil perícias criminais não têm laudo da Politec
07/03/2011 / 20:00:00
  

Mais de 10 mil perícias criminais estão à espera de emissão de laudo na Perícia Oficial e Identificação Técnica de Mato Grosso (Politec). O volume de requisições sem respostas sinaliza o tamanho da impunidade que estão sujeitas familiares e vítimas de crimes, já que os laudos periciais são fundamentais para dar abertura ao processo na Justiça e os suspeitos de crimes irem para trás das grades. Conforme o Ministério Público Estadual (MPE), apenas 20% dos inquéritos, com suspeito solto, são encaminhados pela Polícia com laudo. Conforme a reportagem apurou, os laudos hoje só saem se foram "espremidos", a partir da persistência de familiares e de promotores.


Desde o dia 21 de junho de 2009 a estudante, Helen Cristina Dias dos Santos, espera pelo laudo do acidente de trânsito que matou seu pai na MT-010 no Distrito de Guia. "A perita acompanhou, esteve no local e prometeu a investigação", lembra a filha mais nova, olhando fotos registradas pela imprensa no dia do acidente. Era um domingo, 13h30, seu pai estava de capacete e jogado no asfalto.


Ela conta que o pai, o gerente de fazenda, Celecino Manoel Espírito Santo, 45, estava indo buscar a mãe no trabalho. Todo domingo ele fazia isso e naquele domingo a família iria comer panqueca, como haviam planejado. O almoço foi interrompido pelo acidente. A motocicleta que Celecino dirigia foi atingida por um caminhão, que teria entrado na contramão e provocado a colisão. Até hoje, há marca no asfalto da roda do caminhão, segundo a filha.


Helen e um dos irmãos, Hermes Fernando Dias dos Santos, 22, têm indícios de que o motorista do caminhão, o fazendeiro, Alfeo Boscoli Neto, foi quem teve culpa no acidente e causou a morte do pai. Mas, sem laudo, o delegado do Centro Integrado de Segurança e Cidadania (Cisc) do Verdão, se recusou a instaurar o procedimento para abrir uma investigação. "Para a gente seria muito importante, porque comprovaria que ele teve culpa e o meu pai foi morto", diz Helen. Ela conta que Alfeo foi chamado para depor apenas uma vez em Lucas do Rio Verde (354 quilômetros ao Norte da Capital), cidade onde mora, negou que tenha invadido a pista e nunca mais prestou esclarecimento sobre o assunto.


Por indicação de uma advogada, a família procurou a Defensoria Pública este ano. De lá, foi orientada a fazer reclamação na ouvidoria da Politec. Passaram-se 15 dias e depois de várias ligações, não receberam nenhuma previsão do órgão, que teria um prazo de 30 dias para finalizar o laudo desde a data do acidente.


A falta de respostas para o acidente é uma brecha aberta na vida da família de Celecino e para milhares de pessoas, que estão à espera de laudo pericial de crimes. A esposa dele ficou meses dormindo por conta de antidepressivos e tiveram que se desfazer de bens materiais, pois era o marido quem mantinha a casa. "Meu pai era uma pessoa muito querida por todo mundo. Nossa vida mudou completamente depois da morte dele", descreve Helen.


A dona de casa, E.R.P, 46, passou pela mesma situação em 2006, quando precisou fazer plantão na Politec em busca do laudo da morte do filho mais novo. No dia 8 de abril, data do aniversário dele, em que completaria 25 anos, foi morto por um piloto de arrancadão no Distrito Industriário. O delegado indiciou o motorista por homicídio doloso e o inquérito foi concluído sem laudo. Após 8 meses entre idas e vindas na Politec a mãe conseguiu o documento e o processo criminal pode ser aberto. Agora, ela está à espera do julgamento.


Sem autoria - Nem mesmo inquéritos enviados por delegados de Polícia ao MPE possuem laudos periciais. Conforme a Central de Acompanhamento de Inquérito Policial da Capital do MP (CAIP), 80% dos inquéritos, em que o suspeito está solto, não há laudo e os procedimentos voltam para as delegacias e vão sendo prorrogados a cada 30 dias.


No caso de ocorrências criminais em que o suspeito foi preso em flagrante, 30% dos inquéritos não têm laudo. "A gente tem que ligar pedindo e tem que espremer o laudo lá (Politec)", relata o promotor de justiça criminal e coordenador do CAIP, Reinaldo Rodrigues de Oliveira Filho. Ele explica que o órgão passou a fazer este serviço, às pressas, porque o MP tem 5 dias para fazer a denúncia à Justiça nestes casos e afirma, que sem laudo, as chances de haver condenação são mínimas. "A juíza nem aceita. Como vou afirmar que aquela pessoa é vítima de homicídio ou o suspeito é realmente o autor do crime?" Por consequência, a falta de laudo facilita a soltura de presos em flagrante, criando sentimento de impunidade junto à população.


Reynaldo afirma que a "materialidade" dada pelo laudo é fundamental para condenar criminosos, senão a Justiça não funciona. "Se o governo não fizer contratação imediata vai parar. A Polícia Civil está sucateada." Na contramão da falta de laudos, o promotor denuncia que no Cisc Verdão existe um armário com mais de 6 mil laudos perdidos, sem estar atrelados a inquéritos. A falta de delegados e investigadores do outro lado (conforme denuncia a Gazeta na edição de 27 de fevereiro de 2010), confirma aos poucos, que crimes como furto à residência, porte ilegal de armas, por exemplo, deixam de ser prioridade.


Peritos X papiloscopistas - Na Politec o clima é de conflito interno. Desde 2005, papiloscopistas - profissionais especializados em identificação humana - deixaram de emitir laudos. Eles continuam a coletar impressões digitais, mas estão impedidos de confrontá-las em um sistema nacional com mais de 5 milhões de digitais. O busca neste sistema proporciona até 70% de chance de se identificar o suspeito. Na forma manual, peritos criminais demandam mais tempo e hoje, tem menos chance de conseguir êxito. O sindicato da categoria luta na Justiça para reverter determinação de lei estadual. Segundo servidores do órgão, que preferem não se identificar, peritos criminais fazem "seleção" dos casos que irão produzir laudo frente à demanda e não há cumprimento de carga horária conforme a exigida.


Outro lado - A diretora-geral da Politec, Patrícia Fachone, nega que haja conflito entre servidores da Politec e isto esteja prejudicando o trabalho. "Cumprimos lei e se ela vier a modificar vamos nos adequar", diz, sobre o impedimento de papiloscopistas emitirem laudos. O sistema nacional de identificação, segundo ela, está para ser implantado e ajudará na identificação por parte de peritos criminais. Porém, não prevê quanto tempo ficará pronto. Reconhece a demanda reprimida por emissão de laudos e afirma que inquéritos em conclusão têm prioridade. "Nossa capacidade de atendimento é menor que a demanda." Ela diz que existem 79 peritos criminais em todo o Estado e o déficit existe desde 2003, quando um estudo apontava a necessidade de 127. No próximo mês, 60 peritos que passaram em concurso devem ser chamados.

 
Autor: Amanda Alves / Redação / Gazeta
 

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