O laboratório forense da Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec) de Mato Grosso tem 6,5 mil pedidos de análise criminal parados. São casos que começaram a ser acumulados em 2014 e que, até hoje, não passaram por classificação.
Os motivos são a falta de peritos e o orçamento escasso. A crise financeira do Estado, que teve início no governo Pedro Taques (PSDB), é que teria inviabilizado a contratação de serviços. Em decorrência disso, o setor de exames toxicológicos, por exemplo, parou de funcionar.
Na prática, a incapacidade do laboratório em reduzir o estoque implica em problemas que extrapolam as salas de análises. Atingem a rede de segurança pública. São atrasos nos serviços do Instituto Médico Legal (IML), que fornece dados para inquéritos policiais e judiciais e o entrave na continuação de investigações criminais.
“Nós trabalhamos com análise de casos criminais. Damos prioridade para a identificação de corpos humanos, mas, mesmo assim, temos um limite. Não se pode analisar vários materiais diferentes ao mesmo tempo pelo risco de contaminação”, explica a diretora do laboratório, Alessandra Paiva Puertas.
A demanda do laboratório forense é de 16 mil casos ao ano. Os pedidos ficam concentrados no posto de Cuiabá, vindos dos outros 140 municípios. Se a demanda reprimida for distribuída pelo últimos seis anos, ao menos mil casos não entraram sequer na linha de averiguação.
“Não sei dizer qual é natureza desses 6,5 mil casos, porque não conseguimos pegar o material para iniciar análise. Hoje em dia, estamos conseguindo começar a atender a demanda mensal. Se nos chegam 100 pedidos de análise, ao menos estamos entregando 90. Mas o que analisamos neste mês, deu entrada no laboratório no mês passado”, comenta a diretora.
Deficitário
A legista Alessandra Puerta diz que o setor em situação mais grave é o de toxicologia. A escassez de equipamento e de peritos e a demanda crescente criam uma bola de neve que cresce diariamente.
“A demanda dos exames toxicológicos vem principalmente da identificação de droga, da quantificação de quanto de droga pura tem no material apreendido pela polícia. Em alguns postos, a polícia consegue fazer uma primeira checagem com líquido azul, mas precisa vir para cá para se ter um trabalho apurado”.
Hoje, o laboratório possui um equipamento para analisar esses compostos. É uma máquina capaz de identificar e caracterizar os componentes, por exemplo, do ecstasy e dos inalantes (narguilé, lança-perfume, etc.).
Exame essencial
A análise toxicológica, no entanto, não se reduz ao mundo das drogas. Ela foi aplicada a dois casos recentes que chamaram a atenção em Mato Grosso. Neles, os exames toxicológicos foram decisivos.
O primeiro foi a identificação de envenenamento da garota Mirella Poliane Chue de Oliveira, de 11 anos. Ela foi assassinada em Cuiabá, em novembro de 2019. A ingestão do veneno ocorreu em dosagens pequenas e frequentes, o que dificultou a identificação em grande quantidade da substância nociva em exame inicial.
O segundo caso foi o do achocolatado envenenado, associado à morte de uma criança de dois anos, em agosto de 2016. A análise pericial foi que apontou que a causa da morte foi a bebida contaminada.
Previsão negativa
A diretora Alessandra Puertas afirma que a classificação da demanda pericial criminal em Mato Grosso, feita pelo Ministério da Justiça, é de média para crescente. E o número razoável de peritos para atender a quantidade média de serviço já deixou o quadro real de funcionários no Estado para trás.
“Só no setor para análise de DNA teríamos que ter 16 peritos e um técnico. Nosso quadro hoje é de sete peritos e um técnico. Para exames de biologia temos cinco pessoas; para o de toxicologia, temos nove. A tendência é que a demanda por exame toxicológico cresça, até pela circulação de produtos no Estado”.
O conjunto de laboratório forense e o IML só começou a sair de um cenário crítico no ano passado. Em 2016, a quantidade reduzida de profissionais e a rejeição das empresas em firmar contrato com o Estado praticamente travou o funcionamento dos órgãos.
“Temos que melhorar muito, mas não temos, hoje, problemas que há alguns anos tínhamos, como prédio inadequado, falta de insumos e condições precárias para atendimento. Mas, a julgar pelo tamanho da demanda, daqui a alguns anos podemos enfrentar a mesma situação precária”, diz o diretor-geral do IML, Eduardo Andraus.
Fama de mau pagador
Ele explica que a fama do governo de Mato Grosso de mau pagador, criada no governo Taques, espantou empresas fornecedoras ao ponto de cancelar licitações por falta de participantes.
No laboratório forense, equipamentos ficaram sem manutenção e a falta de estoque de produtos necessários limitaram o trabalho dos peritos.
Apesar da trégua atual, a previsão continua soturna. A proibição para a realização de concurso público e contratação de pessoal vão conter a mão de obra, ao mesmo tempo em que a demanda aponta para o alto.