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Biólogos auxiliam polícia a desvendar crimes

Imagine a seguinte situação: uma pessoa está desaparecida há 15 dias. A polícia é acionada, vai até a casa onde ela mora e a encontra morta, pendurada a uma corda pelo pescoço. À primeira vista, um caso clássico de suicídio. Seu corpo está preservado e a polícia imediatamente chama o legista, o médico responsável por investigar as causas de mortes. Com sua experiência, o profissional acredita que o cadáver esteja ali há menos de uma semana, tempo inferior ao seu sumiço. Saber exatamente quando ocorreu a morte é importante para dizer se foi suicídio ou não.

Para auxiliar na busca de respostas sobre quando ocorreu a morte, um perito do laboratório forense, então, é chamado para fornecer informações capazes de desvendar o mistério.  Entre outras coisas, o profissional estuda a incidência de insetos em corpos humanos sem vida. Ao chegar, coleta as larvas presentes no local e no corpo para iniciar sua pesquisa. Em poucas horas ele tem o resultado. Para a surpresa do legista, o rapaz estava mesmo morto há 15 dias. Os insetos forneceram as evidências para a solução do  caso.

Esta história é real e foi relatada pela única perita dessa área do Rio de Janeiro, Janyra Oliveira da Costa, que esteve em Cuiabá, recentemente, para participar do IV Seminário Nacional de DNA e Laboratório Forense. Ela faz parte de um grupo praticamente exclusivo. Em todo país, apenas três profissionais estão empenhados na área denominada entomologia forense.  Os outros dois são Torriceli Thé, em Salvador; e Pablo Abdon, no Amapá.

O episódio se tornou um dos mais significativos da carreira de Janyra, pois foi nesse instante que seus colegas policiais começaram a dar mais credibilidade a este tipo de trabalho, devido à precisão que o profissional é capaz de chegar. “O corpo estava conservado porque a pessoa estava pendurada. Por isso, a larva não ficava no corpo”, diz Janyra, ao explicar que o cadáver se deteriora com maior velocidade justamente pela maneira como os insetos se alimentam dos tecidos.  “A larva, com a ação da gravidade, cai. Tanto que coletei larva da perna dele, umas no chão e no roda pé. Por isso o corpo aparentava ter menos tempo (de morte)”, lembra.

Como há déficit de profissionais na área, as universidades tentam suprir a lacuna e colaboram nas investigações. A polícia solicita estudos específicos, por exemplo, à biólogos da Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal do Amapá (Unifap).

Segundo  Janyra, são três as  áreas que abrangem as investigações. As análises não são restritas a crimes com morte das vítimas, apesar destas serem as mais conhecidas. Uma das áreas está ligada ao direito do consumidor. Janyra conta que no Rio de Janeiro existem as delegacias especializadas em atender clientes lesados. Casos de pessoas que encontram insetos em alimentos, por exemplo, são tratados nesses locais. O perito de Laboratório Forense é capaz de identificar o período de tempo em que o inseto está junto ao alimento, e se o animal foi “plantado” no mantimento ou não.

Em Cuiabá existe a Delegacia Especializada do Consumidor (Decon). O investigador Adalto Takiuchi conta que o consumidor, ao encontrar algum inseto no alimento, deve ir até a delegacia para registrar o Boletim de Ocorrência, mas o material vai para análise na Vigilância Sanitária. Como a delegacia não possui as condições de transporte exigidas pela Anvisa -  isopor e gelo,  cabe ao consumidor tomar estas providências. Para receber o material, a Vigilância Sanitária também faz algumas exigências: o produto deve estar dentro da data de validade, com embalagem conservada e, quando abertos, com no mínimo metade do peso original; os refrigerantes e bebidas alcoólicas só são aceitos lacrados; produtos artesanais não são recebidos, pois o órgão não faz análise microbiológica. O investigador ressalta que na Capital não é comum esse tipo de ocorrência, pois as pessoa costumam ir direto à Anvisa.

A segunda área aborda as questões urbanas, que podem virar processos cíveis ou criminais. A perita lembrou-se de uma ocorrência que acompanhou. Um rapaz havia morrido devido à queda de uma árvore em cima de seu carro. O caso parecia ser cível, afinal, se tratava de um acidente. No entanto, uma investigação acabou mostrando que a questão devia ser avaliada como crime. Isso porque foi encontrado na raiz da planta o crustáceo Armadillidium vulgare, popularmente conhecido como tatu-bolinha. A espécie se alimenta de madeira  ela, isso significa que o vegetal já estava podre e houve descuido dos responsáveis pela arborização de áreas públicas, o que levou a abertura de processo criminal.em decomposição. Segundo

A entomologia forense médico legal é a terceira área. Ela trata de crimes contra pessoa e contra a vida. Entre eles, os maus tratos. Os profissionais são capazes de descobrir há quanto tempo alguém não recebe cuidados higiênicos pelos insetos que se alimentam de fezes, que podem ser achados no corpo da pessoa - muitas vezes crianças. Outro exemplo mencionado se refere à descoberta de onde vem tabletes de maconha apreendidos pela polícia. Segundo Janyra, na colheita da planta insetos podem ir junto e alguns são endêmicos, ou seja, típicos de uma região.

Atualmente, os insetos são muito estudados, uma vez que podem revelar o tempo de morte de vítimas, ou até a causa mortis. Em um cadáver em avançado estado de putrefação, por exemplo, não seria possível a olho nu identificar se ele foi baleado ou não. Com análises do material colhido no sistema digestivo das larvas que infestam o corpo, o perito vai descobrir se há chumbo bário antimônio, material dos projéteis de armas. Também pode afirmar se alguém foi assassinado na cidade e depois levado para mata, pois algumas moscas que depositam os ovos na vítima são predominantemente urbanas. Os insetos que mais colaboram na vida dos peritos da entomologia forense são as formigas, os besouros, as abelhas, os percevejos e as moscas.

Brasil pode mudar o rumo das investigações de crimes sexuais no mundo

Janyra Oliveira, além de ser perita no Laboratório Forense carioca, também é professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Uma pesquisa, informa, desenvolvida por um de seus alunos de doutorado, aponta para um ganho significativo nas investigações de crimes sexuais, com morte das vítimas, não só no Brasil, mas no mundo.

Atualmente, esclarece, é muito difícil conseguir obter vestígios do sêmen de agressores sexuais passadas mais de 48 horas do assassinato. Isso porque esse material se oxida facilmente devido ao contato com o ar, o que causa mudanças em suas propriedades químicas. O estudo do perito criminal e doutorando em entomogenética forense pela UFRJ, Carlos Augusto Chamoun descobriu que o sêmen misturado à carne humana ingerida pelas larvas de moscas dos corpos em decomposição fica preservado por cerca de uma semana. Com isso, a análise permitiria conhecer o DNA do criminoso. “O inseto tem sistema digestivo diferente do nosso, dividido em três partes. Na parte inicial, é como se fosse um papo, que ele guarda o alimento. Só vai sofrer digestão da parte mediana pra lá. Se eu coleto uma larva e tiro o material digestivo dela da parte inicial, onde está preservado, eu consigo encontrar o material genético da vítima”, assim como do agressor, conta Janyra.

A primeira das três fases práticas da pesquisa já foi concluída. O pesquisador usou carne moída suja com esperma para análise. Na fase atual, Chamoun usa uma porca, que segundo Janyra, é o animal que melhor simula o corpo humano. Ele injetou sêmen no trato vaginal da porca para ver se também teria sucesso. Agora está fazendo o levantamento do material genético e deve terminar dentro de um mês. Assim que concluir essa fase vai trabalhar com humanos. A expectativa é que, em  técnica já esteja presente nos laboratórios forenses de todo o mundo.

 

Link: http://www.revistafapematciencia.org/noticias/noticia.asp?id=401

Autor: Valérya Próspero / Fotos: Imagine – Revista Fapemat Ciência - Aline Fortuna - Arquivo
Data: 26/06/2012